Um ano sem as “conversas afiadas” de Paulo Henrique Amorim
Por Valdo Santos - Jornalista
A TVC Jornalismo presta homenagem (in memoriam) ao jornalista Paulo Henrique Amorim, nesta passagem do primeiro ano de seu falecimento, em 10 de julho de 2019, no Rio de Janeiro. Conhecido por ter uma “língua afiada” e expressões sarcásticas, Amorim foi entrevistado pelo jornalista Valdo Santos, editor deste blog, em 2016, quando visitou Florianópolis, SC. A entrevista rendeu uma grande reportagem sobre uma das principais obras de PHA: “Plim-Plim: a peleja de Brizola contra a fraude eleitoral”. Confira na íntegra:
PAULO HENRIQUE AMORIM DENUNCIA FRAUDE ELEITORAL PLANEJADA POR GLOBO E GOVERNO MILITAR
Esquema criminoso conhecido como “Escândalo Proconsult” é revelado em livrorreportagem escrito pelo jornalista.
Cinco e meia da tarde, início do outono de 2016, ainda fazia um pouco de calor na capital catarinense. Entrevista marcada com Paulo Henrique Amorim, ex-repórter da Rede Globo e atual apresentador da Rede Record, no Centro de Cultura e Eventos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Após 20 minutos do horário marcado surge Amorim, que rapidamente cumprimenta algumas pessoas com sua tradicional frase: “Olá, tudo bem?”
Na entrevista com exclusividade, Amorim falou sobre sua obra “Plim-Plim: a peleja de Brizola contra a fraude eleitoral”, publicada em 2005. O livro retrata o “Escândalo Proconsult”, fato ocorrido durante as eleições para governador do Rio de Janeiro, em 1982. O autor enfatiza que naquele pleito as Organizações Globo e o governo militar, em conluio com a Proconsult e bicheiros cariocas, tramaram um esquema para eleger Moreira Franco, candidato do Partido Democrático Social (PDS), antiga Aliança Renovadora Nacional (Arena), e derrotar Leonel Brizola, candidato do Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Além dos candidatos pedetista e pedessista participaram da eleição Miro Teixeira (PMDB), Sandra Cavalcanti (PTB) e Lysâneas Maciel (PT). Naquela época, o regime militar impôs a vinculação do voto, ou seja, o eleitor tinha que votar no mesmo partido para todos os cargos: de governador a prefeito. Dessa forma, Amorim enfatiza que “o grupo que planejou a fraude tinha certeza que por causa da vinculação dos votos Brizola perderia a eleição. Isso porque seria muito grande o número de votos brancos e nulos em redutos considerados brizolistas”.
Escrito em parceria com a jornalista Maria Helena Passos, o livrorreportagem mostra em detalhes como foi tramada a fraude. Amorim explica que na véspera das eleições, o candidato trabalhista recebe ligação revelando que vão lhe roubar o resultado. Aponta o momento em que os bicheiros convidam fiscais de juntas apuradoras a fazer “vista grossa”. O “Escândalo Proconsult” cresce de uma hora para outra. Esse é apenas o começo do enredo relatado pelo apresentador de tevê e também blogueiro do “Conversa Afiada”.
Depois de muita apuração nos bastidores, o jornalista afirma que “a Globo manipulou os resultados da eleição. A versão da empresa é falsa”. Amorim revela que “houve pessoas envolvidas no processo eleitoral que não apenas distorciam o andamento da apuração, mas também mentiam. Enquanto o jornal O Globo dava Moreira Franco na frente, no Jornal do Brasil, onde eu trabalhava na época, Brizola era quem estava vencendo”, relata o ex-repórter da empresa de Roberto Marinho.
Ao mesmo tempo em que destaca estatísticas fraudulentas, a obra traça um plano que descreve dia a dia as manchetes, os diálogos e os bastidores da apuração. Isso confere um ar de suspense. O livro mostra pessoas escoltadas pela polícia, saindo na madrugada de prédios de zonas eleitorais, carregando sacolas, cédulas rasuradas, encontradas nas ruas da periferia carioca, canetas de eleitores fazendo a tinta apagar horas depois de serem usadas e um caminhão tombando na Avenida Brasil, espalhando laranjas e urnas eleitorais.
Com orelha de Mino Carta, editor da revista CartaCapital, o livrorreportagem reconstitui com riqueza de detalhes a frustrada tentativa do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) de impedir a vitória de Leonel Brizola para o governo fluminense, em 1982. Tudo isso, por meio da Proconsult, empresa de informática contratada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) para totalizar os votos e com a chancela das Organizações Globo.
Amorim enfatiza que Brizola ganhou a eleição duas vezes: “Na lei e na marra. Porque os militares, o SNI e a Polícia Federal escolheram a empresa Proconsult para dar vitória a Moreira Franco, ao mesmo tempo em que as Organizações Globo (jornal e TV) preparavam a opinião pública para digerir a fraude”.
A obra reúne relatos e depoimentos de personalidades como Leonel Brizola, Roberto Marinho, Cezar Maia e Saturnino Braga. Mais os jornalistas Luis Carlos Cabral, Procópio Mineiro, Pery Cotta e Pedro do Coutto. Além do especialista em pesquisas Homero Icaza Sánchez, do analista de sistemas Glauco Lima e do então promotor Celso Fernando de Barros, que tentou – sem sucesso – apurar as irregularidades daquela eleição realizada no estado do Rio de Janeiro.
Fraude foi arquitetada por Globo, governo militar, Proconsult e bicheiros cariocas
A tentativa de fraude teve início na escolha da Proconsult, empresa que contaria os votos. Até mesmo o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), um órgão do governo brasileiro, recusou-se a participar da concorrência. Alegava que não podia dar conta, ao mesmo tempo, da totalização de eleições majoritárias estaduais e municipais.
Faltando dois dias para o pleito eleitoral, os editores da Rádio Jornal do Brasil, jornalistas Pery Cotta e Procópio Mineiro, procuraram Arcádio Vieira, diretor da Proconsult, para saber se esta empresa responsável pela apuração teria feito um acordo com a Globo para entregar à emissora o resultado da eleição antes de enviá-lo ao TRE-RJ. O diretor da Proconsult, empresa associada a antigos colaboradores do regime militar, não confirmou o contato com a TV Globo, mas tampouco negou o acordo.
Amorim explica que nem precisava Vieira ter confirmado a negociata. “A direção das Organizações Globo anunciava que o grupo faria a maior cobertura eleitoral da história: 25 mil pessoas, 14 jornais e 24 emissoras espalhadas pelo estado. Só na cidade do Rio de Janeiro, teria 700 pessoas em condições de prover os resultados antes do TRE-RJ, com equipes se revezando em cada uma das 86 juntas apuradoras da capital e das 151 do interior, para enviar os dados aos cinco computadores do Centro de Processamento de Dados da emissora de tevê da família Marinho.”
Outro episódio que ficou marcado naquele polêmico pleito, durante a noite da véspera da eleição, foi quando Brizola atendeu a um telefonema da mesma voz de uma mulher, que sempre fornecia a ele os dados atualizados das pesquisas realizadas pelo SNI, sobre o andamento da campanha eleitoral dele e dos outros candidatos concorrentes. E, desta vez, ela informava Brizola sobre um plano de sabotagem na totalização dos votos. Mesmo assim, o candidato pedetista não desanimou.
Amorim conta que para dar certo o acordo SNI/Proconsult nada melhor do que a desistência do Serpro e da Datamec. E foi o que acabou acontecendo: as duas empresas deixaram o caminho livre para aquela parceria. “Dali para frente, era para ser um passeio na raia. Tanto que o bicheiro Castor de Andrade, sólido aliado de Moreira Franco e do governo militar, chegou a dizer que nunca pensou que fosse tão fácil ganhar uma eleição”, destaca o jornalista.
A TV Globo realizou o último debate com os cinco candidatos, no dia 13 de setembro, no Teatro Fênix. Em seguida, o Ibope fez uma pesquisa que indicava Leonel Brizola com 52%, sendo o vencedor daquele encontro televisivo. Amorim salienta que Homero Icaza Sánchez, editor de análise e pesquisas das Organizações Globo, conhecido como “Bruxo”, cuja empresa prestava serviços à emissora, anos depois, em entrevista, lembrou-se do episódio.
“Quando Brizola disparou nas pesquisas, Roberto Marinho já estava contrariado com o rumo da campanha, porque era amigo de Chagas Freitas. Da mesma forma, como Miro Teixeira, candidato do PMDB, rompeu com Chagas, Marinho também via no peemedebista mais um grande inimigo seu”, diz PHA.
Entretanto, Homero Icaza Sánchez possuía uma pesquisa do último debate, na TV Globo, que dava vitória a Brizola. Durante encontro casual com militantes do candidato trabalhista, Sánchez fez questão de enfatizar: “Brizola ganhou o debate”. O apresentador da Rede Record relembra a frase histórica de Roberto Marinho, citada logo após o confronto televisivo entre os candidatos: “Passei a considerar Brizola daninho e perigoso e lutei contra ele. Usei todas as possibilidades para derrotá-lo”, revela Amorim.
Perito encontra as provas do crime fraudulento
O analista de sistemas Glauco Lima, funcionário da empresa estatal Cobra, designado para realizar o trabalho de perícia após a finalização do pleito, foi quem achou o programa-fonte. Este dispositivo de informática tinha a importante função de armazenar os dados da eleição. Da mesma forma, o perito ainda encontrou os boletins das urnas que serviram para comprovar o crime eleitoral.
E sabe onde estava esse material? Amorim relata que para o jornalista Alexandre Gajardoni Neto, um dos poucos que apuraram profundamente o caso, “Lima descobriu que o programa-fonte e os boletins das urnas estavam escondidos com os tenentes-coronéis do Exército, Haroldo Lobão Barroso e Manoel de Carvalho, responsáveis pela concepção dos programas de computador utilizados pela Proconsut na totalização dos votos”.
Amorim afirma que Lima foi demitido daquela empresa estatal, depois que a direção descobriu que o analista investigava o “caso Proconsult”. Mesmo já fora do cargo de servidor público, o perito ainda ficou mais dois anos na investigação. Conforme relata Gajardoni Neto, “Lima discordou totalmente da conclusão do advogado de defesa da empresa Cobra. Em 2004, ainda na profissão, mostrava-se frustrado por não ter visto seu trabalho ser útil para esclarecer definitivamente o caso”.
No relatório produzido pela perícia sobre as irregularidades da conturbada eleição para governador do Rio de Janeiro, em 1982, Lima deixou tudo muito bem esclarecido. Amorim explica que mesmo com todo o desempenho do analista de sistemas, ainda assim ele não recebeu nenhuma recompensa pelo trabalho prestado em prol da cidadania. O ex-funcionário da estatal ficou apenas com a frustração de não ter visto a punição dos culpados.
Mesmo depois de comprovada uma série de irregularidades, a Proconsult ainda saiu no lucro. Amorim ressalta que “essa empresa de informática, contratada pelo TRE-RJ para totalizar os votos, embolsou Cr$ 60,81950 milhões contratuais, equivalente a R$ 1,057 milhão ou cerca de US$ 300.000 ao câmbio médio de julho de 2004. As denúncias causaram desavença entre seus sócios e em seguida a empresa faliu”.
O TRE-RJ anunciou oficialmente o resultado da eleição, somente no dia 13 de dezembro de 1982, quase um mês depois do pleito. O vencedor foi Leonel Brizola (PDT), com 1.709.264 votos (34,17%). Já o candidato Moreira Franco (PDS), epicentro do esquema fraudulento, ficou em segundo lugar, com 1.530.728 votos (30,60%).
Brizola foi proclamado governador no início de 1983. No entanto, a trama eleitoral que poderia ter custado sua derrota, nunca foi totalmente explicada. Aspectos de suma importância do “caso Proconsult” jamais foram esclarecidos pela polícia ou pela justiça.
Em seu livrorreportagem, Amorim explica toda a trama criminosa planejada pelas Organizações Globo, governo militar, Proconsult e bicheiros cariocas. O jornalista afirma que houve total omissão das autoridades em condenar os envolvidos no crime. “A justiça se omitiu em punir os acusados de fraudar a eleição para governador do Rio de Janeiro, porque fazia parte do esquema montado para eleger Moreira Franco, candidato da direita”, denuncia Amorim.
O promotor Celso Fernando de Barros, indicado para acompanhar a sindicância aberta pela Polícia Federal, foi o único que realmente se empenhou em averiguar o escândalo. O magistrado pressionou o TRE-RJ a assumir a investigação do que teria acontecido nos serviços de digitação e totalização dos votos realizados pela Proconsult.
Amorim relata que em entrevista concedida à jornalista Maria Helena Passos, em 2004, Barros explica que teve todos os seus requerimentos rejeitados por unanimidade pelos juízes do TRE-RJ. Ainda assim, o então promotor seguiu tentando investigar o caso por vários anos, mas esbarrou na impossibilidade de obter perícias oficiais e acabou desistindo.
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Fonte: Paulo Henrique Amorim
Foto: Juliano França
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